26 de jan. de 2009

A memória da gente tem umas coisas bem estranhas

Na semana passada, escrevi aqui a respeito do show do Elton John, a que assisti na horrível Arena Skol, em São Paulo. Por causa daquele show, resolvi fuçar meus velhos CDs, até achar um com os principais sucessos do cara, que levei para o carro e, de lá para cá, de tanto em tanto acabo ouvindo, enquanto procuro formas de não pirar com esse maldito trânsito de São Paulo.

Outro dia, em plena Marginal, me lembrei da primeira vez que ouvi esse mesmo CD. Apenas não era um CD, era uma fita daquelas grandonas, de 8 pistas, que antecederam as fitas cassete. E o cenário não era a Marginal, era a California.

O ano era 1977. O mês, março. Eu havia me formado em Direito em Santos no final de 1976. E poucos dias depois havia embarcado para os EUA como “líder” (uma espécie de monitor, uma mistura de “tomador de conta” com “resolvedor de pepinos”) de um grupo de estudantes que viajavam pelo Experimento de Convivência Internacional, que mais tarde viria a abreviar seu nome para Experimento. No meu caso, o programa envolvia passar o Reveillon em Los Angeles, depois ter um mês de aulas numa escola de Inglês em Oakland e, em seguida, passar mais um mês vivendo com uma família em Tucson, no Arizona, para depois ir a San Francisco e, de lá, embarcar de volta para o Brasil.

Não sei se ainda é assim, mas, naquela época, o “líder” de cada grupo ganhava a passagem, estadia e curso. E ainda uma pequena ajuda de custo. Eu tinha 22 anos e liderava um grupo de 10 ou 12 garotos e garotas com idades variando entre 17 e 19 anos.

Quando o programa terminou, no finzinho de fevereiro, despachei meu grupo de volta ao Brasil e fiquei mais um tempo na California. Afinal, pouco antes de sair daqui, eu havia recebido a confirmação de que o Inter-American Law Institute, da New York University, havia me concedido uma bolsa de estudos completa para eu cursar o Mestrado em Direito naquela universidade, onde eu deveria me apresentar em agosto.

Minha justificativa racional para ficar na California era que não adiantava querer iniciar um emprego no Brasil em março ou abril, para ter que largá-lo poucos meses depois. Na verdade, desconfio que eu estava mesmo era com aquele medo natural de quem termina a faculdade e precisa se lançar para valer na vida profissional, achando que não pode errar. De, de qualquer forma, acabei voltando em abril para São Paulo, onde trabalhei durante pouco menos de 2 meses no escritório onde eram sócios o Professor Vicente Rao, Saulo Ramos e meu irmão mais velho, Carlos Cherto.

Mas, de algum modo, naquele final de fevereiro de 1977, consegui prorrogar meu Visto americano de estudante por mais um mês. Acredito que hoje isso teria sido impossível. Mas, naquele tempo, a coisa era diferente. Simplesmente fui ao escritório da Imigração em San Francisco e joguei minha lábia em cima da jovem funcionária que me atendeu. Contei uma história qualquer, já nem lembro qual, e saí de lá com o novo Visto.

Isso mostra que quem tem razão é meu amigo Cebola, que é publicitário e sabe dessas coisas, que diz que homem é como anúncio de mídia impressa: se não tiver um belo layout, precisa ter um texto espetacular. Como nunca fui boa pinta, nem fortão, com aqueles ombrões ortopédicos onde as menininhas gostam de apoiar a cabeça, sempre tive que caprichar no texto. Ou seja, sempre tive que ser bom de conversa.

Fiquei morando mais um mês em Oakland, rachando o aluguel de um apartamento pequeno, onde já moravam dois brasileiros. Teria sido muito mais legal ficar em San Francisco, mas a grana não dava para tanto. E Oakland, apesar de ser uma bosta, fica logo ali, do outro lado da Baía. Dava para ir todos os dias a San Francisco, se quisesse. Na época, Oakland era uma barra pesadíssima, pois era ali que ficava o Quartel General dos Panteras Negras. E o movimento Black Power estava no auge.

Como na Bay Bridge, que liga as duas cidades, só tinha pedágio no sentido Oakland-San Francisco, o pessoal dizia, de sacanagem que Oakland era tão ruim, mas tão ruim, que você não precisava pagar para entrar lá, mas tinha que pagar para sair de lá.

Logo comecei a namorar uma americana ruiva de olhos verdes, chamada Janis, que não, não era a Joplin, embora também fosse música. Tocava violino e fazia mestrado ou doutorado (em música) num college de Oakland. E era CDF até não poder mais. Passava os dias enfurnada na sala de aula, ou na biblioteca estudando, ou no estúdio praticando. Seu sonho era ser primeira violinista numa Sinfônica da vida. Não sei se o realizou, pois nunca mais tive notícias dela. Espero que tenha conseguido.

O legal mesmo é que, enquanto estudava, Janis deixava comigo seu Chevy Nova 1970 vermelho, igual ao da foto abaixo (que encontrei fuçando a Internet).

Para quem, em Santos, dirigia uma Brasília marrom fuleira, que nem vidro verde tinha, um Chevy Nova vermelho hidramático e com ar-condicionado, mesmo com quase 7 anos de uso, era quase uma Ferrari zero KM. Eu me sentia o próprio Steve McQueen (esta, só vai entender quem tiver mais de 40).

Eu andava com aquele carrão para cima e para baixo pelas ruas, estradas e pontes da California. Ia praticamente todos os dias para algum canto, quase sempre sozinho. Berkeley, San Francisco, Sausalito, o escambau. Sempre com o toca-fitas (de 7 pistas - outra que quem tem menos de 45 nem vai saber do que estou falando) no talo. O único porém é que a gringa, obviamente, era louca por música clássica. E tinha apenas umas 3 ou 4 fitas de rock ou pop. E uma delas era, precisamente, a dos maiores sucessos do Elton John. O mesmo álbum que tenho agora, em CD, no meu carro.

Dirigir sozinho pela Golden Gate, numa tarde ensolarada, ouvindo “Bennie and the Jets” é uma das lembranças boas que tenho da vida. E foi aí que passei a gostar das músicas do Elton John, “a rainha do pop-rock”.

De lá para cá, muita água passou por baixo da ponte. Inclusive daquela ponte (a Golden Gate). Aconteceu na minha vida muita coisa certamente bem mais importante ou impactante do que aquilo. Mas aquele momento, no Chevy vermelho, sozinho, sobre a Golden Gate, ouvindo “Bennie and the Jets” insiste em ficar cravado na minha lembrança, mesmo depois de mais de 30 anos.

É, a memória da gente tem umas coisas bem estranhas.