A síndrome de Caetano Velloso - (cuidado com as boas intenções) [texto de Clemente Nobrega, publicado em seu blog em 26/7/2009]
Este blog tem a mania de ficar olhando as propostas que aparecem no mundo das empresas e perguntar:”esta idéia é boa? Há evidência - apoiada em fatos - que sustente que a idéia gera o efeito que seus propagandistas desejam?”.
Esta é a coisa.
Gestão é sempre sobre um efeito concreto no mundo. Não é sobre uma causa nobre, ou um conceito sofisticado, politicamante correto, ou atraente em algum sentido cósmico. É sobre um efeito concreto no mundo real.
É por isso que, volta e meia,eu pego no pé de uns e outros aqui. Não é vontade de gerar polêmica gratuita ou de parecer “do contra”. É porque gestão é resultado, não boa intenção.
O mundo das empresas é assolado pelo que chamei de “crença na crença“: propostas que adoraríamos que fossem verdades. Não são, mas, como nós temos de acreditar em alguma coisa, seguimos defendendo. Acreditar em alguma coisa (qualquer coisa) é humano. Acreditar apenas naquilo para o que haja evidência, é profundamente não-humano. Gestão é uma coisa anti-natural. Gestão dói. Gera desconforto.Tem que ter preparo físico para praticar.
O caso da Triple Bottom Line (TBL) é uma dessas idéias que todo mundo se sente na obrigação de apoiar. É uma idéia supostamente “do bem”. Outra delas é a chamada ”ação afirmativa” - formulada com o nobre objetivo de possibilitar que minorias “excluídas” de alguma forma, estejam mais representadas nas atividades relevantes da sociedade.
Um caso análogo: as leis de incentivo à cultura. A evidência que existe é que,uma vez que a sociedade se vê compelida a estimular a produção artística (ou seja,pagar por ela por meio de isenções de impostos, por exemplo) não é o Zezinho, artista desconhecido, que vai ganhar com isso. É o Caetano Velloso, que já ganharia com ou sem incentivo à cultura. As cotas para negros em universidades, igualmente, beneficiarão mais os negros que já estiverem melhor de vida. O Tião, que nasceu pobre, tem uma chance muito maior de continuar pobre com cota e tudo.
Eu morro de medo dos generosos. Eles perpetuam as injustiças do mundo porque são bem intencionados. Um dia volto a isso.
A Triple Botton Line parte de um pressuposto falso, que é o de que lucro APENAS não gera benefício para sociedade, só para as empresas.
Fico paralisado de torpor ao notar como todo mundo acata esse pressuposto sem questioná-lo.
Boa parte dessa gente é formada em economia, e deve ter, um dia, estudado Adam Smith, patrono da teoria econômica. O insight de Adam Smith pode ser formulado de várias maneiras. Tomo emprestada a que Milton Friedman usou: “se uma troca entre duas partes é voluntária, essa troca não ocorrerá a menos que AMBAS as partes acreditem que vão se beneficiar com ela”.
O valor que as pessoas atribuem a um bem ou serviço que compram de uma empresa é traduzido pelo preço que elas se dispõem a pagar por eles. Uma empresa não lucrará se o ambiente em que ela atua (as pessoas que compram seus produtos, seus fornecedores,seus colaboradores) não perceberem benefício no que essa empresa oferece a eles.
Agora o teste:
As empresas A, B e C querem praticar a Triple Bottom Line (TBL).
A empresa A investe em novos equipamentos e reduz emissões de gases que aumentariam o feito estufa;
A empresa B fornece, gratuitamente, serviços de creche para os filhos de seus funcionários; e
A empresa C aumenta os salários de seus colaboradores que ganham menos.
Todas essas coisas custam dinheiro. Portanto, todas diminuem o lucro tradicional, a Single Bottom Line (não tem importância, pois agora o que importa é a TBL).
Vamos supor,para facilitar,que para as três empresas o lucro seja reduzido no mesmo montante. Qual das três contribui mais para a sociedade? Qual das três melhorou mais sua Triple Bottom Line? Duvido que alguém consiga me responder.