25 de abr. de 2011

Memórias, memórias, memórias...

Certos sons, palavras, imagens e até cheiros têm o dom de despertar em mim a memória de coisas que vivi muito tempo atrás. Foi o que ocorreu quando li a crônica do Matthew Shirts, publicada no Caderno 2 do Estadão de hoje (25/04/2011).

Mateus - como Matthew prefere ser chamado - foi meu “chefe” quando comandava o saudoso caderno Negócios da Folha de S. Paulo, no final da década de 1980 ou início dos anos 1990. Aliás, foi uma grande mudança na imprensa brasileira quando o jornal passou a tratar de Economia e Negócios em cadernos separados. O primeiro, cheio de notícias ruins e entrevistas e análises agourentas. O segundo, só alegria, com as histórias de empreendedores que, contra todos os prognósticos, criavam negócios do zero e prosperavam. Como no título do livro da Endeavor, faziam negócios darem certo num país então muito incerto.

Negócios era, então, um caderno “de verdade” (e não um tablóide cheio de classificados, como é agora), que falava sobre iniciativas bem sucedidas, Empreendedorismo, inovação empresarial, coisas assim. Seu primeiro comandante foi o competente Nelson Blecher, que, coerentemente, depois passou pela Exame e, mais tarde, criou a revista Época Negócios, ainda hoje dirigida por ele.

Foi o Nelson quem me contratou - em 1988, se a memória não me trai - para escrever uma coluna semanal sobre Franchising. Naquela altura, um assunto desconhecido do grande público e mesmo da maioria dos executivos e empresários deste país. Eu vinha enviando a ele, sistematicamente, artigos que escrevia sobre o tema. E ele, de tempos em tempos, publicava um deles. Provavelmente por necessidade de preencher um espaço ainda vazio na hora de fechar o jornal. A frase que mais se ouvia na Folha, naquela época, era uma de autoria de Leão Serva: “Jornal bom é jornal pronto”. Até que um dia, cedendo aos meus argumentos, Nelson topou criar a tal coluna.

O plano era ampliar os horizontes dos integrantes da comunidade empresarial brasileira e, com isso, provocar uma revolução na forma como se faziam negócios por aqui. Tanto que meu primeiro livro, publicado também em 1988, se chamava “Franchising: uma Revolução no Marketing”.

Eu tinha liberdade para escrever o que quisesse sobre o que quisesse. Bastava que o tema fosse ligado a franquias e que eu observasse as regras do Manual de Redação e as normas da boa educação.

E foi o que fiz durante quase 12 anos, até que, um belo dia, num gesto de surpreendente falta de cortesia do comando do jornal, fui sumariamente “demitido” por telefone por um jovem jornalista de vinte e poucos anos, uma espécie de trainee ou algo assim, cujo nome não me recordo, que apenas me disse: “Não precisa mais enviar sua coluna, pois o jornal não tem mais interesse em publicá-la”.

Mas vamos voltar ao que interessa.

Um belo dia, Nelson entrou na sala do dono do jornal e se demitiu. Diz a lenda que a reunião seguinte do empresário era com um historiador americano, um “brazilianista”, casado com uma jornalista brasileira e que havia sido contratado para escrever um livro sobre a história da Folha e, para isso, vinha fazendo uma espécie de estágio por todas as seções daquele veículo, no intuito de conhecer melhor a cultura e ouvir dos protagonistas as histórias e anedotas vividas por quem trabalhava ali.

Esse historiador - você já deve ter adivinhado - era Matthew Shirts, que, meio sem saber como, nem porque, entrou naquela sala para falar do livro e saiu de lá com o cargo de Editor do Caderno Negócios.

E foi assim que vim a conhecer esse cara genial, que é, sem dúvida, o americano mais brasileiro que eu conheço. Ou talvez seja o brasileiro mais americano que conheço, sei lá. Não perco as histórias que ele conta no Estadão todas as segundas-feiras. Foi um prazer e uma honra trabalhar com ele durante o tempo em que orquestrou aquele caderno da Folha.

E hoje, ao ler a crônica na qual ele me cita e faz referência àquela coluna, essa história toda, de mais de 20 anos atrás, passou diante dos meus olhos em uma fração de segundo, como um filme em altíssima velocidade.

Uma coisa boa é saber que, tanto tempo depois, Matthew ainda se lembra de mim e do trabalho que fazíamos juntos. E, provavelmente, de uma forma positiva, ou não me citaria.

Eu, com certeza, tenho saudades daquele tempo. Não que queira voltar a ele. Estou bem melhor agora. Mas tenho boas recordações.

E é bom me dar conta de que, já naquela época, eu tinha a obsessão de ampliar horizontes - os meus e os de quem me cerca - e fazia planos e agia para mudar o mundo à minha volta. Exatamente como sigo fazendo até hoje.

Ou seja: mudei em muitas coisas - e não necessariamente para melhor em todas elas. Mas nisso continuo igual.

Não sei se isso é bom ou ruim, mas é assim.